sábado, 11 de outubro de 2008

A Bíblia e a tradição

A Bíblia e a tradição
Queridos irmãos:
A miúdo os irmãos evangélicos, discutindo conosco, católicos, nos dizem: “Na Bíblia onde se fala sobre o purgatório? Onde se diz nela que São Pedro foi a Roma? De onde vocês, católicos, tiram isso de que Maria é a Imaculada Conceição e que subiu ao céu em corpo e alma?”.Para os evangélicos, a Revelação Divina e a Bíblia são a mesma coisa. Isto é, para eles somente na Bíblia se encontra a revelação de Deus.Vejamos: Esta posição é correta? É certo que a Bíblia contém todo o Evangelho de Cristo? Que diz a respeito a própria Bíblia? Além disso, quem reuniu todos os livros inspirados que constituem a Bíblia? Acaso não foi a Igreja que recebeu o encargo de pregar o Evangelho por todo o mundo, até o final dos tempos? Que houve primeiro: a Bíblia ou a Igreja?Irmãos, nesta carta lhes explicarei porque a Revelação Divina não compreende só a Bíblia, como os evangélicos pensam, mas que a Revelação de Deus nasce de uma dupla fonte, da Tradição apostólica e da Bíblia. É um assunto um pouco difícil, mas fundamental para a compreensão correta da fé católica. É um tema que foi motivo de muitos mal entendidos entre a Igreja Católica e as diferentes igrejas evangélicas


1. A Revelação Divina.

A Revelação é a manifestação de Deus e de sua vontade acerca de nossa salvação. Vem da palavra “revelar” que quer dizer “tirar o véu” ou “descobrir”. Deus se revelou de duas maneiras:1) A Revelação natural ou revelação mediante as coisas criadas. Diz o apóstolo Paulo: “Tudo aquilo que podemos conhecer de Deus Ele mesmo nô-lo manifestou. Pois, se a Ele não podemos ver, o contemplamos, pelo menos, através de suas obras, uma vez que Ele fez o mundo e por suas obras entendemos que Ele é eterno e poderoso e que é Deus” (Rm 1,19-20).

2) A Revelação sobrenatural ou divina.
Desde o princípio Deus começou também a revelar-se através de um contato mais direto com os homens, mediante os antigos profetas e de uma maneira perfeita e definitiva na pessoa de Cristo Jesus, o Filho de Deus.”Em diversas ocasiões e sob diferentes formas, Deus falou a nossos pais, por meio dos profetas, até que, nestes dias que são os últimos, nos falou por meio de seu Filho (Hb 1,1-2). Jesus nos revelou Deus mediante suas palavras e obras, seus sinais e milagres: sobretudo mediante sua morte e sua gloriosa ressurreição e com o envio do Espírito Santo sobre sua Igreja. Tudo o que Jesus fez e ensinou se chama “Evangelho”, isto é, “Boa notícia da Salvação”.
2. Como foi transmitida a Revelação Divina?Para levar o Evangelho por todo o mundo, Jesus encarregou os apóstolos e seus sucessores, como pastores da Igreja que Ele fundou pessoalmente. “Vão e façam que todos os povos sejam meus discípulos. Batizem-nos em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo e ensinem-nos a cumprir tudo o que eu lhes ensinei. Eu estou com vocês todos os dias até que se termine este mundo” (Mt28,18-20).Aqui é onde Jesus ordenou “pregar” e “proclamar o Evangelho”. E de fato, os apóstolos “pregaram” a Boa Nova de Cristo. Somente anos depois alguns deles colocaram por escrito esta pregação. Isto é, no início a Igreja se preocupou em pregar o Evangelho. Certamente o Evangelho que Jesus entregou a seus Apóstolos não estava escrito. Jesus nunca escreveu uma carta a seus apóstolos; seu ensino era somente oral. Assim o fizeram também os apóstolos.

3. Tradição Apostólica

Esta mensagem ouvida da boca de Jesus, vivida, meditada e transmitida oralmente pelos apóstolos se chama “Tradição Apostólica”.Aqui, quando falamos da “Tradição” (com maiúscula) referimo-nos sempre à “Tradição Apostólica.” Não devemos confundir a “Tradição Apostólica” com a “tradição” que em geral se refere a costumes, idéias, modos de viver de um povo e que uma geração recebe das anteriores. Uma tradição deste tipo é puramente humana e pode ser abandonada quando se considera inútil. Assim Jesus mesmo rejeitou certas tradições do povo judeu: “Vocês inclusive dispensam dos mandamentos de Deus para manter a tradição dos homens” (Mc 7,8)A Tradição Apostólica se refere à transmissão do Evangelho de Jesus. Jesus, além de ensinar seus apóstolos com discurso e exemplos, ensinou-lhes uma maneira de orar, de agir e de conviver. Eram estas as tradições que os apóstolos guardavam na Igreja. O apóstolo Paulo em sua carta aos Coríntios refere-se a esta “Tradição Apostólica”: “Eu mesmo recebi esta tradição que, por sua vez, lhes hei transmitido” (1Cor 11,23).Resumindo, podemos dizer que Jesus mandou “pregar”, não “escrever” seu Evangelho. Jesus nunca distribuiu uma Bíblia. O Senhor fundou sua Igreja, garantindo-lhe que permanecerá com ele até o fim do mundo. E a Igreja viveu muitos anos da Tradição Apostólica, sem ter os livros sagrados do Novo Testamento.

4. A Bíblia

Somente uma parte da Palavra de Deus, proclamada oralmente, foi posta por escrito pelos próprios apóstolos e outros evangelistas de sua geração.Estes escritos, inspirados pelo Espírito de Deus, dão origem ao Novo Testamento (N.T.), que é a parte mais importante de toda a Bíblia. Está claro que, ao escrever o N.T., não se colocou por escrito “todo” o evangelho de Jesus.“Jesus fez muitas outras coisas. Se se escrevessem uma por uma, creio que não haveria lugar no mundo para tantos livros”, nos diz o apóstolo João (Jo21,25). A Sagrada Escritura e especialmente o N.T., é a Palavra de Deus, que nos manifesta o Filho em quem Deus expressou o resplendor de sua glória (hb 1,3). Podemos dizer que só a parte mais importante e fundamental da Tradição Apostólica foi posta por escrito. Mas nem toda a pregação de Jesus foi escrita na Bíblia. Por esta razão a Igreja sempre teve uma veneração muito especial pelas Divinas Escrituras mas igualmente dá importância à Tradição que nos vem, inclusive, de antes que se escrevesse o Novo Testamento.

5. Bíblia e Tradição

Então podemos dizer que a revelação divina chegou até nós pela Tradição Apostólica e pela Sagrada Escritura. Não como duas fontes separadas mas como dois aspectos da Revelação de Deus. O Concílio Vaticano II descreve isto muito bem. “A Tradição Apostólica e a Sagrada Escritura manam da mesma corrente e correm para o mesmo fim”. A Tradição e a Escritura estão unidas e ligadas, de modo que nenhuma pode subsistir sem a outra.Além disso, a Sagrada Escritura apresenta a Tradição como base da fé do crente: “Tudo o que aprenderam, receberam e ouviram de mim, tudo o que me viram fazer, façam-no” (Fl4,9). “O que aprendeste de mim, confirmado por muitos testemunhos, confia-o a homens que mereçam confiança, capazes de instruir depois os outros” (2Tim 2,2).“Irmãos, mantenham-se firmes guardando fielmente as tradições que lhe ensinamos por palavra e por carta” (2Tes 2,15).Está claro que o Apóstolo Paulo, para confirmar a fé dos cristãos, não usa somente a Palavra de Deus escrita mas recorda também de um modo muito especial a Tradição ou a pregação oral. Para o apóstolo as formas de Transmissão do Evangelho: Sagrada Escritura e Tradição têm a mesma importância. Na realidade, uma vez que se escreveu o N.T. não se considerou acabada a Tradição Apostólica como se estivesse completa a Revelação Divina. A Bíblia não diz isso: em nenhuma parte está escrito que o cristão deve submeter-se somente à Bíblia! Esta é uma idéia que surgiu entre os protestantes nos anos 1550. Na Igreja Católica houve sempre uma consciência clara sobre a importância da Tradição Apostólica, sem tirar o valor que a Bíblia tem.
6. Somente a Bíblia basta?É um erro crer que a basta a Bíblia para nossa Salvação. Jesus nunca disse isto e tão pouco está escrito na Bíblia. Jesus nunca escreveu um livro sagrado, nem distribuiu nenhuma Bíblia. A única coisa que Jesus fez foi fundar sua Igreja e entregar-lhe seu Evangelho para que fosse anunciado a todos os homens até o fim do mundo. Foi dentro da tradição da Igreja que se escreveu e foi aceito o N.T. sob sua autoridade apostólica. Além disso, a Igreja viveu muitos anos sem o N.T., que se terminou de escrever no ano 97 depois de Cristo. E também é a Igreja a que, nos anos 393 – 397, estabeleceu o Cânon ou lista dos livros que o N.T. contém. Portanto, se aceitamos somente a Bíblia, como sabemos quais são os livros inspirados? A Bíblia, com efeito, não contém nenhuma lista deles. Foi a tradição da Igreja que nos transmitiu a lista dos livros inspirados. Suponhamos que se perdesse a Bíblia, neste caso a Igreja continuaria possuindo toda a verdade acerca de Cristo, a qual até a data presente foi transmitida fielmente pela Tradição, tal como o fez antes de escrever o N.T.Os evangélicos, ao aceitar somente a Bíblia, estão reduzindo consideravelmente o conhecimento autêntico da Revelação Divina. Guardemos esta lei de ouro que o Apóstolo Paulo nos deixou: “Mantenham-se firmes, guardando fielmente a Tradição que lhes ensinamos por palavra e por carta” (2Tes 2,15).
7. O Magistério da IgrejaA Revelação Divina abrange a Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura. Este depósito da fé (cf. 1 Tim6,20; 2 Tim 1,12-14) foi confiado pelos apóstolos ao conjunto da Igreja. Agora bem, o ofício de interpretar corretamente a Palavra de deus, oral ou escrita, foi confiado somente ao Magistério vivo da Igreja. Ela o exercita em nome de Jesus Cristo. Segundo a tradição apostólica formam este magistério os bispos em comunhão com o sucessor de Pedro que é bispo de Roma, o Papa.O Magistério não está acima da Revelação Divina mas está a seu serviço, para ensinar puramente o transmitido. Por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, o Magistério da Igreja o escuta devotamente, guarda-o zelosamente e o explica fielmente.Os fiéis, recordando a Palavra de cristo a seus apóstolos: “Quem vos ouve, a mim ouve” (Lc 10,16), recebem com docilidade os ensinamentos e diretrizes que seus pastores lhes dão de diferentes formas. O Magistério da Igreja é um guia seguro na leitura e interpretação da Sagrada Escritura, já que ninguém pode interpretar por si mesmo a Escritura” (2Pd 1,20).O Magistério da Igreja orienta também o crescimento na compreensão da fé. Graças à assistência do Espírito Santo, a compreensão da fé pode crescer na vida da Igreja quando os fiéis meditam a fé cristã e compreendem internamente os mistérios da Igreja, isto é, o crente vive a palavra de Deus nas circunstâncias concretas da história e torna cada vez mais explícito o que estava implícito na Palavra de Deus. 1. Resumindo, podemos dizer que a Igreja não tira apenas da Escritura a certeza de toda a Revelação Divina.2.A Tradição e a Sagrada Escritura constituem um único depósito sagrado da Palavra de Deus, no qual, como num espelho, a Igreja peregrina contempla Deus, fonte de todas as riquezas. 3.O ofício de interpretar autenticamente a Palavra de Deus foi confiado unicamente ao Magistério da Igreja, aos bispos em comunhão com o Papa.4.A Tradição, a Escritura e o Magistério da Igreja, segundo o plano de Deus, estão intimamente unidos, de modo que nenhum pode subsistir sem os outros. Os três, cada um segundo seu caráter e sob a ação do único Espírito Santo, contribuem eficazmente para salvação dos homens.