sábado, 11 de outubro de 2008

A transfusão de sangue

A transfusão de sangue

A Bíblia proíbe a transfusão de sangue?


Existem católicos que me perguntam se é verdade que a Bíblia proíbe a transfusão de sangue... sua inquietação nasce do fato de que algumas pessoas, com a Bíblia na mão, buscam afirmar que a transfusão de sangue é um pecado gravíssimo contra Deus. Tais pessoas – assim dizem eles – preferem morrer a aceitar uma transfusão de sangue, porque dizem: é a vontade de Deus. Nesta linha estão sobretudo os Testemunhas de Jeová e membros de algumas seitas religiosas modernas.
Como é triste haver gente entre nós que usa a Bíblia para confundir o católico simples e para propagar estas teorias que são uma burla à humanidade!
Aos que pensam assim quero lembrar-lhes que nunca devemos ler a bíblia de modo parcial: nunca devemos estudar o Antigo Testamento (A.T.) sem levar em conta o Novo Testamento (N.T.).
Existe uma grande diferença entre os dois. Ainda que se complementem, o A.T. e o N. T., não devemos esquecer que Jesus Cristo, Deus-homem, é o centro e o fim de toda a Bíblia. Ademais Jesus Cristo, com sua autoridade humano-divina, corrigiu várias coisas que se lêem no A.t. e anulou muitos costumes que para os judeus do A.T. eram práticas muito importantes.
Se alguém lê atentamente a Bíblia verá que da primeira à última página há uma evolução doutrinal e moral. Quer dizer, que nem tudo na Bíblia tem o mesmo valor ou igual vigência. E entre estas coisas que o N.T. mudou está lei do sangue.


O que o Antigo Testamento nos ensina acerca da transfusão de sangue?

Antes de mais nada, devemos dizer que a Bíblia nunca fala da transfusão de sangue como prática de medicina para salvar enfermos, simplesmente porque os antigos não conheceram este tratamento. Mas vejamos de onde alguns membros de outras religiões tiram esta crença.Os israelitas do A.T., como os outros povos antigos daquele tempo, pensavam que a vida (ou a alma) de cada ser estava no sangue. Lemos em Gn 9,4-5: “O único que não devem comer é a carne com sua alma, isto é, com seu sangue...Reclamarei o sangue de vocês como se fossem sua alma”.Assim, os antigos acreditavam que a alma era o sangue mesmo (Lev 17,14; Dt 12,23). Isto é: alma=vida=sangue. Agora bem, Deus é o único Senhor da vida e por isso o sangue tinha um caráter sagrado para os israelitas, o sangue tinha um caráter sagrado para os israelitas, o sangue pertencia a Deus. Deste conceito antigo que os israelitas tinham acerca da vida, vêm as leis a respeito do sangue que é o que vamos analisar agora brevemente:

1. Proibição do homicídio
O homem foi criado à imagem de Deus; por isso Deus tem poder sobre sua vida: Se alguém derrama seu sangue, Deus lhe pedirá conta disto (Gn 9,5). Nisto encontra seu fundamento religioso o mandamento que diz: “Não matarás (Ex 20,13). Mas em caso de homicídio os antigos aceitaram a vingança de sangue inocente contra o assassino; “Vida por vida, olho por olho, dente por dente” (Ex 21,23). Somente foi admitida uma vingança limitada, porque Deus mesmo se encarregará desta vingança, fazendo recair o sangue inocente sobre a cabeça do assassino ( 1Rs 2,32).
2. Proibição do sangue como alimento

O sangue, como sinal de vida, pertence somente a Deus e por isso o sangue é parte de Deus (Lv 3,17). O sangue derramado é alimento de Deus, “manjar de Javé” e nenhum homem pode beber sangue, nem comer carne proibida (Dt 12,16). O sangue pertence por direito próprio a Deus Senhor da vida (Daí os Testemunhas de Jeová tiram seu ensinamento de não aceitar a transfusão de sangue).
3. O uso do sangue no culto do A.T.

O sangue é sagrado, mesmo o do animal e somente pode ser oferecido a Deus num sacrifício (Gn 9,5). Se não se sacrifica num altar, deve ser derramado no chão, mas não se pode beber. Além disso os israelitas, como os demais homens do passado, faziam uma imagem terrível de Deus e pensavam que só podiam estar em paz com este Deus violento, oferecendo sacrifícios e sangue (Hb 9,22). Era sua maneira de entrar em contato com Deus; por isso os antigos faziam ritos sangrentos para selar sua aliança com Deus (Ex 24,3-8); sacrifícios para a expiação dos pecados (Is 4,4); ritos pascais com sangue de cordeiros para afastar os espíritos exterminadores (Ex 12,7-22) etc.Com o tempo, os israelitas descobriram que estes sacrifícios sangrentos eram uma forma de culto muito imperfeito. E por boca do profeta Isaías, Deus rejeitou estes sacrifícios: De que me serve a multidão de seus sacrifícios? Não me agrada o sangue de suas vacas, de suas ovelhas e bodes” (Is 1,11). Também disse o salmista falando com Deus: “Um sacrifício não te agrada, se ofereço um holocausto, não o aceitas” (Sl 51,16).Refletindo sobre estas leis de sangue dentro do contexto do A.T. podemos dizer que Deus aceitou o povo de Israel com seus costumes e tradições e que Deus educou seu povo a partir de sua própria cultura. Mas não devemos pensar que as leis de sangue foram ditadas por Deus desde o céu, mas que foram elaboradas pelos sacerdotes daquele tempo que estavam responsáveis pela conduta religiosa do povo de Israel. As leis sobre o sangue são apenas uma maneira de educar e inculcar o sentido do caráter sagrado da vida.Por mais antigas e às vezes, antiquadas que sejam estas leis, o cristão de hoje deve considera-las com fé e buscar reflexões novas referentes ao que Deus nos pede agora.

O que o N.T. nos diz acerca destas leis de sangue?

No N.T. não encontramos nenhuma referência acerca da transfusão de sangue. Mas há claras indicações a favor desta prática.1.Jesus repetiu com o A.T. o profundo respeito à vida: “Não matarás” (Mt 19,18), mas o Senhor criticou duramente a antiga lei da vingança de sangue inocente: “Vocês ouviram o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Porém, Eu vos digo: não resistam ao homem mau; ao contrário se alguém lhe bater num lado do rosto, oferece-lhe também o outro lado” (Mt 5,39). Jesus terminou também com a lei de alimentos proibidos: “Não há nenhuma coisa fora do homem que ao entrar nele possa torná-lo pecador ou impuro” (Mc 7,15). Com estas palavras está claro que a proibição de comer “carne com sangue” não tem nenhum valor para Jesus.2.Jesus quis morrer derramando seu sangue, para mostrar a entrega de sua vida por obediência ao Pai e por amor a seus irmãos (Jo 3,16; Rm 8,32). Este sacrifício de sua vida terminará com todos os sacrifícios de animais do A.T., porque o sacrifício de sua vida era o perdão de todos os pecados do mundo e a reconciliação definitiva entre Deus e os homens (Hb 9,26; Hb 10,5-7). “Cristo nos ama e nos lavou de nossos pecados com seu sangue (Ap 1,5).3.Na Última Ceia Jesus apresentou o cálice da ação de graças (ou Eucaristia), dizendo: “Este cálice é a Nova Aliança que está confirmada por meu sangue, que se derrama por vocês” (Lc 22,20). E de agora em diante os homens podem comungar com este sangue da Nova Aliança quando bebem do cálice eucarístico (1 Cor 10,16 e 11,25-28). O sangue de Cristo derramado na Cruz estabelecerá entre os homens e o senhor, uma união profunda que durará até sua vinda (1 Cor 10,16 e 11,25-28).

Algumas considerações finais

1.As leis de sangue do A.T. são um reflexo de uma cultura primitiva e não foram ditadas por Deus e só buscavam inculcar no povo do A.T. o sentido sagrado da vida. Por tanto as muitas leis de sangue do A.T. não são doutrina eterna. Recordemos que Cristo veio aperfeiçoar a antiga Lei. Agora sabemos muito bem que a alma humana não se identifica com uma coisa material como é o sangue. Propriamente falando, a alma não habita num corpo com sangue, mas se expressa no homem inteiro.E quando os Testemunhas de Jeová se apegam às crenças do A.T., eles esquecem que a lei do A.T. foi aperfeiçoada por Jesus Cristo e que muitos costumes daquele tempo não têm valor na Nova Aliança que começou com Cristo. Os Testemunhas de Jeová e muitos outros ficaram no A.T. e não aceitam evoluções que está na Bíblia; eles não interpretavam bem toda a Bíblia já que permaneceram numa prática judaica antiga e não seguiram o cumprimento do N.T.Isto aconteceu porque interpretam a Bíblia de forma literal, e além disso organizaram a Bíblia à sua maneira com traduções equivocadas e más interpretações. (Nenhuma das Igrejas Cristãs aceita a Bíblia organizada pelos Testemunhas de Jeová).2.Em Jesus Cristo foi superada a Antiga Aliança e a lei de Moisés. Os primeiros cristãos muito cedo aboliram muitas práticas do A.T. como, por exemplo, a observação do dia do Sábado, etc. e entre estas coisas o N.T. aboliu também as leis de sangue. É verdade que entre os primeiros cristãos de origem judaicas foram injustamente obrigadas a observar esta prática (At 15,29). Mas esta observância se fez somente por um breve tempo para não escandalizar os de consciência fraca. Rapidamente este problema foi superado e as Igrejas seguiram o conselho de Jesus Cristo: “Não há nada de fora que suje a alma” (Mc 7,15).Finalmente o apóstolo Paulo escreve de modo taxativo aos colossenses: “Que ninguém venha molesta-los por questões de comida ou bebida” (Col 2,16). “Todos os alimentos são bons e todas as coisas lhes servirão de alimento” (1 Tim 4,3-6).3.Deus é o Deus da vida “Deus não se compraz na morte de ninguém” (Ez 18,32). “Não criou o homem para deixá-lo morrer, mas para que vivesse” (sab 1, 13; 2, 23).Para Jesus a vida era coisa preciosa e “salvar uma vida” prevalecia sobre a lei do sábado (Mc 3,4), porque “Deus não é um Deus de mortos mas de vivos” (Mc 12,27).Ele mesmo curou e devolveu a vida como se não pudesse tolerar a presença da morte. “Se tivésseis estado aqui meu irmão Lázaro não teria morrido” disse Marta a Jesus (Jo 11,21). Jesus, Deus-homem, disse que Ele é a vida, e veio para servir, e morreu como resgate para proveito da multidão (Mc 10,45).4.Sejamos seguidores de Cristo. A exemplo de Cristo, podemos dar nossa vida por amor ao próximo. “Ninguém tem mais amor que aquele que dá sua vida por seus amigos” (Jo 15,13). È claro que nossa v ida está nas mãos de Deus. Mas se Deus nos deus inteligência e vontade e com elas podemos salvar a vida de outros, então isto é a vontade de Deus.Tudo o que o homem realiza na medicina moderna para respeitar a vida e curar os enfermos é vontade de Deus. E seria um pecado gravíssimo deixar morrer uma pessoa que, com bons remédios e com uma transfusão de sangue, pode ser curada. Neste sentido “doar sangue” para fazer uma transfusão não é nenhum atentado contra deus, mas pode chegar a ser um ato heróico de caridade.Claro que se deve ater à regulamentação necessária quanto à higiene e desinfecção, porque em assunto tão delicado deve-se evitar todo o possível contágio de HIV e outras doenças.Diante da transfusão de sangue, há somente uma palavra: “Conhecemos o amor com que Jesus Cristo deu sua vida por nós; assim também nós devemos dar a vida por nossos irmãos”.E isso mesmo vale para a doação de órgãos. É muito humano e cristão solidarizar-se com um enfermo até o ponto de ceder os próprios órgãos para ser transplantados em outras pessoas que necessitam deles.