sábado, 11 de outubro de 2008

Mentalidade bíblica dos católicos e dos protestantes

Mentalidade bíblica dos católicos e dos protestantes

Queridos amigos e irmãos:


Outro dia li um conto de uma jovem de lindos olhos e que por tal motivo era admirada e perseguida pelos homens. Nesta história de ciência de ficção de dizia que seus olhos, para ela, eram ocasião de pecar, e como esta menina lia todos os dia a Bíblia, um dia leu esta frase: “Se teu olho te faz pecar, arranca-o”(Mt 5,29), e então ela tomou uma fatal determinação: jogou um ácido em seus olhos para que se queimasse e assim perdeu a vista para sempre...
Isto não é senão uma história que foi imaginada por um novelista com o fim de demonstrar o que pode acontecer ao interpretar a Bíblia ao pé da letra e sem consultar ninguém. Suponhamos que o exemplo seja certo. Se a menina tivesse perguntado a um sacerdote católico, este lhe teria dito que esta frase da Bíblia não se deve interpretar assim, mas que se trata de uma figura literária.
O que Jesus nos quer dizer aqui é que quando há algo que alguém ama muito e esse algo tão precioso é ocasião de pecar, deve-se renunciar a isso. Poe exemplo: renunciar a uma amizade perigosa, deixar um negócio sujo, etc., e isso, mesmo que nos custe muito...Mas Jesus em nenhum momento nos quer dizer que tenhamos que mutilar nosso corpo, que está criado à imagem e semelhança de Deus.
Como é diferente interpretar a Bíblia sozinho ou consultando um entendido. Se alguém ama não sabe e não consulta a ninguém, pode enganar-se ao interpretar a Bíblia. E se o que não sabe ensina outro é como um cego que guia outro cego. Os dois vão ao abismo (Mt 15,14).
Queridos irmãos, é uma simples fantasia de um escritor. Mas todos conhecemos em nosso tempo fanáticos seguidores de seitas protestantes lêem a Bíblia. É um tema algo difícil, mas é um ponto no qual os católicos se diferenciam fundamentalmente dos protestantes Em nossa explicação não quero ofender ninguém. Toda pessoa merece nosso respeito e é digna de que amemos, como Cristo nos ama. Mas queremos buscar a verdade, já que os erros merecem sempre nosso repúdio. “A verdade nos fará livres”.
Entendemos como “mentalidade bíblica” o critério, ou modo de pensar, com que normalmente se interpreta a Bíblia. Primeiramente expliquemos a mentalidade bíblica dos católicos e logo a mentalidade dos protestantes, para finalmente dar alguns pistas para fazermos juntos uma leitura bíblica.

Mentalidade bíblica católica

É uma mentalidade histórico-crítica. O católico, com um profundo sentido de fé e de oração, valorizou em todo tempo o estudo sério da Bíblia. Esse estudo aproveitar as contribuições de várias gerações, e dá um sério fundamento à nossa espiritualidade bíblica. Quer dizer que não é nada fácil começar a estudar a Bíblia. Isto implica um mundo de conhecimentos. A Igreja Católica está ciente de que ler a Bíblia, sem uma adequada preparação, é tentar a Deus. Deve-se preparar para lê-la. Se não, pode acontecer qualquer coisa. Assim o ensina a história. Uma pessoa que sabe pouca história e pouca geografia e não tem costume de situar o que lê em seu contexto próprio, pode, com a Bíblia na mão, dizer grandes barbaridades.

Um estudo sério da Bíblia exige:

1. Conhecer do melhor modo possível o texto sagrado, em sua língua original ou em suas traduções, e manter-se razoavelmente fiel ao texto.2. Conhecer a origem, a formação e a transmissão dos livros sagrados; seus muitos variados estilos literários e o contexto histórico em que foram escritos.3. Exige-se também conhecer os condicionamentos culturais próprios da época em que se encarna e se transmite a Palavra de Deus. Sem dúvida muitos elementos culturais daquela época são relativos, mutáveis e passivos de melhoria.4. Exige-se ver a diferença radical, ainda que complementar entre o Antigo e o Novo Testamento já que existe uma grande evolução e mudanças doutrinais entre o A.T. e o N.T.5. Exige-se ver toda a Bíblia como caminho para a plenitude em Cristo. É o que se chama o Cristocentrismo bíblico. Existe uma infinidade de problemas que exigem ao estudioso da Bíblia ser humilde e alegre, convencido que o estudo da Bíblia é difícil, e ao mesmo tempo, fascinante e inesgotável.

Que significa ter mentalidade eclesial?

Quer dizer que o católico recebe e interpreta a Bíblia dentro da comunidade do Povo de Deus, dentro da comunidade do Povo de Deus, dentro da Tradição divino-apostólica, viva e histórica que é a Igreja. E isto não é por capricho ou devocionismo barato, mas porque assim o exige a natureza da Bíblia. Porque a Bíblia não é um livro estranho caído repentinamente do céu. O livro sagrado nasceu e formou lentamente dentro de uma longa tradição, dentro da comunidade do Povo de Deus no Antigo Testamento e dentro da comunidade da Igreja primitiva, De fato a Igreja poderia viver sem Bíblia escrita, mas não sem sua mensagem divina, sem sua palavra, sem seu Evangelho e sem Cristo presente na comunidade. Isto é, antes que existisse a Bíblia escrita, já havia uma tradição viva da mensagem divina na pregação, na catequese, na liturgia e na vida dos primeiros cristãos.É por isso que não podemos prescindir da tradição, do modo como nossos antepassados na fé viveram, interpretaram e defenderam a Bíblia. Somos seus herdeiros.Mas ainda, a expressão e a garantia da interpretação autêntica da Bíblia, dentro da Igreja, concerne de modo particular ao Magistério oficial da Igreja (ao Papa e aos Bispos, que são legítimos sucessores dos Apóstolos) (Mt 16,19;Mt 18,18).Sentir com toda esta tradição viva é, pois sentir com a Igreja, é ter mentalidade eclesial. Não se trata de um tema fácil, mas tão pouco, por ser difícil, se vai deixar de lado esta tradição eclesial.Isto tão pouco nos impede a iniciativa pessoal no estudo e reflexão da Bíblia. Ao contrário, antes nos incentiva, nos dá amplitude e segurança em nossa leitura bíblica. A mentalidade eclesial católica rejeita, portanto, a interpretação da Bíblia, sozinho ou em grupo, de forma independente e absoluta à margem da Igreja.Advertimos que esta mentalidade eclesial, às vezes, se torna dificultosa especialmente quando se trata de inculturar o Evangelho em povos que viveram alheios a esta tradição e cultura cristã. Esta inculturação do Evangelho exige a originalidade da mensagem bíblica aterrissada em sua própria cultura, livre de condicionamentos e de ataduras culturais estranhas. A Bíblia nunca pode ser pretexto para destruir uma cultura.

A mentalidade bíblica protestantes

O protestantismo nasceu na Alemanha quando Martinho Lutero, sacerdote católico alemão, se separou da Igreja Católica em 1517. Hoje, somente na Europa e na América há mais de 600 diversas Igrejas protestantes com enormes diferenças de doutrina e de normas.

1. De onde nasce o divisionismo protestante?

Do famoso: Só a Bíblia!, e da interpretação pessoal da Bíblia.A raiz de tantas divisões na Igreja protestante está na mentalidade com que o protestante lê e interpreta a Bíblia. O protestante, em geral, tem este critério para ler a Bíblia: Só a Bíblia! E sua interpretação pessoal.O protestante, falando em geral, crê que só a Bíblia contém e manifesta por si mesma toda a revelação de Deus.Não necessita da Tradição viva da Igreja. A Bíblia, por ser Palavra de Deus, é inteligível por si mesma. A iluminação que o Espírito Santo põe no coração de cada um – diz – basta para interpretar corretamente a Palavra de Deus. E assim, por princípio e em geral, o protestante prescinde da Tradição da Igreja, da história da Bíblia e de sua complexidade humana.Isto é um grave erro desde a perspectiva bíblica católica. Mas isto não tira que este amor pela Bíblia tenha produzido entre os protestantes grandes biblistas de fama internacional, e impulsionado muito dentro do protestantismo a “viver o Evangelho” e a “seguir a Cristo”, de mil formas autenticamente cristãs, e com imensa liberdade de espírito, muito na linha de São Paulo e de São Francisco de Assis.

2. Só a Bíblia é suficiente?

A exagerada concepção de “só a Bíblia” levou o protestantismo a difundir a Bíblia de qualquer maneira, por milhões, de edições sem nenhuma explicação orientadora, deixando a interpretação a gosto do leitor. Com igual critério, traduziu a Bíblia precipitadamente a outras culturas ou línguas aborígenes e insuficientemente conhecidas, originando inumeráveis novas e diversas Igrejas autóctones, sincretistas e indefiníveis. (Dizem que na África surgiram já mais de 2000 novas e diversas Igrejas protestantes, autóctones, e que algo muito parecido está acontecendo na Ásia).O livre exame da Bíblia dentro do protestantismo criou a maior libertinagem interpretativa. Muitos entenderam a inspiração bíblica ao pé da letra, caindo num fundamentalismo bíblico totalmente defasado. Outros julgaram a Bíblia como um livro meramente humano. Pulularam pregadores independentes do Evangelho, sem nenhuma filiação eclesial.Caíram no “biblismo” e no “bibliocentrismo” ( absolutização da Bíblia) e até na “bibliotaria” (culto idolátrico à Bíblia).No século passado proliferaram, especialmente nos Estados Unidos, Igrejas escatológicas, sobrevalorizando quase exclusivamente o livro do Apocalipse, fixando datas para o fim do mundo, assinalando com o dedo o anticristo, proclamando exatamente quantos e quais vão se salvar e excluindo o resto do mundo, cristãos ou não, como pagãos, e abomináveis...Enfim, com a Bíblia na mão chegou-se a atitudes realmente fanáticas, totalmente antiecumênicas, escravizantes e irracionais. Por isso um poeta disse com desprezo e com zombaria acerca dos que interpretam a Bíblia a seu gosto: “Inventam suas próprias doutrinas, apóiam-nas na Bíblia e as têm por divinas”.Queridos irmãos, como verdadeiros católicos devemos esperar que logo chegue o tempo em que leiamos a Bíblia juntos com os irmãos protestantes, com espírito de união, de amor, de paz e de fraternidade universal.Que sejamos capazes de ler a Bíblia com uma mentalidade libertadora: Cristo, Deus-Homem, é de todos, Ele é nosso caminho, nossa verdade e nossa vida (Jo 14,6). A história humana é essencialmente uma história de amor e de salvação em Cristo (Col 1,13-20: Ef 1,3-14).Resumindo: valorizamos em sua justa medida o amor que os evangélicos sentem pela Bíblia. Oxalá que os católicos tenham também um grande apreço pelo livro santo e seja nosso livro de cabeceira. Mas para nós a Bíblia e a tradição têm que ir de mãos dadas e não podem se separar. E a garantia da Tradição nô-la dá o Magistério da Igreja, representado pelo Papa.Graças a este Magistério, a Igreja Católica pode dizer: Um só Senhor, uma só fé, um só batismo. E também “Creio na Igreja Uma, Santa, católica e apostólica”.